28 de dez. de 2009

Embora seja noite II

Não sou na vida qual figueira morta.
Tenho em meu peito um silo que comporta
Rios de trigo, seja pra quem for.
E se um mais pobre bate em minha porta,
Embora noite, vem minh´alma e exorta:
“Dá do que tens na tulha do amor”.

Cálamo, solto, corre infrenemente.
De que me vale a tão insulsa verve
Perante os umbrais do majestoso Deus.

Na firme lide de quem a Terra lavra,
Buscando o primor da palavra,
Rascunhei esta coisa sem graça.

No afã austero deste mundo descontente,
Na firme lide de quem a Terra lavra,
Lancei na Leira a Letra, a semente
Que deu a mim o recurso da palavra.
Desde então passeia escrever somente,
Não obstante o estro sobrepuja a lavra.

Pergunto a mim mesmo pra que isto serve,
Este cálamo infrene e os rabiscos meus.
Se de nada vale porque tanto ferve
Este tormento triste de mil Prometeus?
De que me vale a tão insulsa verve
Perante os umbrais do majestoso Deus?

E vem-me a alma pura que então me esgana,
Calando o brado bravo do meu urro.
E na medida perfeita duma cana
Mostra-me as virtudes de um sussurro:
Ferida atroz do ser que afana
Em pós de Deus mesmo sendo burro...

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